sexta-feira, 2 de julho de 2010

Meditação sobre o Amor


Quem ama toca as estrelas

Jefferson Monsani

...porque não é possível crer sem amar!...

Esta reflexão dirige-se a quem consegue admitir, não sem dor ou saudade, que já saiu de si para residir em outrem. De fato, amar, para mim, significa deixar a clausura do eu para tentar fazer alguém feliz, uma vez que sem este intercâmbio existencial, certamente, o amor deixa de ser vivência para ser meramente sentimento. No amor, sentir é importante, mas viver é fundamental!

Como todo êxodo, a saída de si que o amar implica exige renúncias sérias e profundas, as quais configuram não um abandono da individualidade, um aprisionamento seu no cárcere da loucura, mas uma negação categórica do individualismo que descaracteriza e fere qualquer relação. Amar não significa negar-se, esquecer-se, mas perceber que o horizonte das potencialidades pessoais pode ser enriquecido se unido ao de outra pessoa. No amor, deixar o domicílio do eu é importante, mas abrir-se ao abraço do eu do outro, com seus tesouros e misérias, é fundamental!

Conheço algumas pessoas que têm medo de amar, justamente porque ainda não descobriram que o amar não é sinônimo de sexo, mas de atitude; não implica uma proximidade física constante e vazia, fadada à rotina e ao caos, mas uma proximidade interior inabalável e verdadeira. A paixão, com efeito, se contenta com o exterior, com o mutável, simplesmente porque ela, em si, já nasce condenada a fenecer em breve. O amor, ao contrário, perscruta o interior, sonda as profundezas, brinca com as realidades que transcendem àquilo que é puramente humano, sendo capaz de edificar novamente o que o vento e o fogo da paixão têm o poder de destruir. Por isso, quem se apaixona colhe flores, mas quem ama colhe estrelas. Quem se apaixona chora a partida do outro, mas quem ama morre em seu lugar.


Como compreender este mistério tão impressionante? Aliás, compreendê-lo é possível? Talvez como a vida, como escreveu Clarice Linspector, ele ultrapasse todo entendimento, constituindo o rol daquelas realidades que, conforme bem disse Pascal, fazem a razão humana tomar ciência de sua limitação. Ame, portanto, pois um mundo diferente nascerá quando o homem deixar de temer o amor!

quinta-feira, 24 de junho de 2010

REFLEXÃO PARA O 12º DOMINGO DO TEMPO COMUM - ANO C


“O CRISTO DE DEUS”

Reflexão para a liturgia do 12º domingo do tempo Comum

Jefferson Monsani

Zc 12, 10-11; 13, 1
Salmo 62 (63)
Gl 3, 26-29
Lc 9, 18-24


Irmãs e irmãos caríssimos, a liturgia deste 12º domingo do tempo Comum coloca-nos em contato com uma realidade intimamente humana, intrínseca, podemos dizer, à existência de todo homem em pleno uso de suas faculdades racionais: questionar-se acerca daquilo que se é! Tal questionamento, com efeito, é essencialmente ontológico e antropológico, posto que não se dirige às situações contingentes do existir – cor da pele, nacionalidade, profissão, dentre outras –, mas à sua própria essência, ao eu em sua realidade mais reservada e profunda. Reside, pois, no interior da pergunta quem sou eu? uma indagação acerca da verdadeira identidade do homem, daquilo que faz que ele seja o que de fato é!

O trecho do Evangelho segundo Lucas hoje proclamado apresenta-nos Jesus perguntando a seus apóstolos acerca de seu ser, primeiro de um modo geral: “Quem diz o povo que eu sou?” (Lc 9, 18), depois de um modo particular: “E vós, quem dizeis que eu sou?” (Lc 9, 20). Pedro toma a dianteira e, em nome dos doze, como uma solene profissão de fé, revela o mistério da intimidade e da identidade d’Aquele que um dia, à beira do lago, o chamara: “O Cristo de Deus”. Também neste momento, como em Belém, em Caná e no Jordão, acontece uma espécie de epifania da realidade mais profunda que constitui o ser de Jesus: Ele não é simplesmente homem, tampouco mais um profeta dentre tantos; Ele é o próprio Deus, em virtude da união consubstancial com o Pai e o Espírito Santo, que vem visitar o seu povo (Cf. Lc ). A partir desse momento, podemos dizer, um novo tempo se descortina no seguimento ao Mestre e a viagem que empreendem a Jerusalém se transforma em uma espécie de viagem interior, cujo significado só poderá ser de fato compreendido no escopo da caminhada: “O Filho do homem deve sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumo sacerdotes e doutores da lei, deve ser morto e ressuscitar no terceiro dia” (Lc 9, 22). Está, portanto, revelado o ser de Jesus e a essência desse ser: Ele é Deus e seu íntimo se chama amor!


Ora, Jesus poderia parar por aqui. Todavia, Ele nos associa àquilo que diz de Si mesmo. À luz da revelação de quem Ele é, revela quem nós somos chamados a ser. Recorramos, antes, ao texto da carta de São Paulo aos Gálatas: “Vós todos sois filhos de Deus pela fé em Jesus Cristo. Vós todos que fostes batizados em Cristo vos revestistes de Cristo” (Gl 3, 26-27). A humanidade, com efeito, é um predicado comum a todos nós. Todos nós, pelo simples fato de existir, pertencemos à grande família humana. Entretanto, Paulo nos fala de uma espécie de renascimento pelo qual passamos mediante o batismo, quando somos revestidos de Cristo, ou seja, somos inseridos em seu Corpo, que é a Igreja, e tomamos parte em sua filiação divina. Recebemos, ademais, o dom inestimável da fé, que nos retira do isolamento do eu e nos insere em outra grande família: a dos filhos e filhas de Deus. Ser revestido de Cristo, deveras, significa realizar com Cristo um câmbio de existência e de missão que implica, por sua vez, tomar parte em sua glória e também em sua cruz: “Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome sua cruz cada dia e siga-me” (Lc 9, 23).

O modo de seguir a Cristo que hoje nós encontramos bastante disseminado não é, certamente, o modo proposto por Ele. O cristão quer seguir a Cristo, mas – eis o dilema! – não quer aceitar a cruz que lhe cabe carregar. Deve haver algo de estranho com esse cristianismo que nega a realidade que lhe caracteriza, propondo um Jesus diferente daquele descrito por Ele mesmo. O tomar a cruz às costas e segui-Lo, por outro lado, não configura um prazer pelo sofrimento, um sofrer por sofrer, uma atitude masoquista diante da dor e da vida em si. O significado dessa palavra se esclarece no último versículo proclamado: “Quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, esse a salvará” (Lc 9, 24). A cruz a que Jesus se refere é a de amar com e como Ele, pois somente quem ama é capaz de doar a sua vida para que outro continue a viver. Certa vez, em um diálogo místico com Santa Ângela de Foligno, enquanto meditava o mistério da Paixão, Cristo lhe disse: “Não foi para brincar, Ângela, que te amei!”. Amar, de fato, é decisão e compromisso; é sentir, mas é sobretudo agir. Ama de verdade quem é capaz de perder sua vida, ou seja, doá-la no amor, descobrindo que ela só pode ser salva, que nós só podemos vivê-la plenamente quando a entregamos. Inúmeros cristãos, de ontem e de hoje, certamente compreenderam esta lógica tão diferente da nossa, inexplicável e até escandalosa.


Que a meditação da liturgia de hoje nos ajude a permanecer firmes na fé que Pedro proclamara e nos ensine a buscar, cada vez mais, conhecer a Cristo para, a partir d’Ele, nos conhecermos também a nós. Amém!